16 fevereiro, 2010

Dois Minutos de Ódio

«Foi quase às onze horas, no Departamento de Arquivo, onde Wiston trabalhava, estavam a arrastar as cadeiras para fora dos cubículos e a reunu-las no meio do salão diante do telecrã, preparando os Dois Minutos de Ódio. (...)

Como de costume, surgira no telecrã o rosto de Emmanuel Goldstein, o Inimigo do Povo. Ouviam-se aqui e ali assobios dos espectadores. (...) Goldstein era o renegado e o apóstata que outrora, há muito tempo (há quanto tempo, ninguém se lembrava ao certo), fora uma das figuras cimeiras do Partido, quase ao nível do Grande Irmão, e depois desenvolvera actividades contra-revolucionárias, sendo condenado à morte, mas conseguira fugir e desaparecer misteriosamente. Os programas dos Dois Minutos de Ódio variavam de dia para dia, não havendo nenhum em que Goldstein não fosse a figura principal. Ele era o traidor primevo, o primeiro corruptor da pureza do Partido, todas as traições, actos de sabotagem, heresias, desvios, eram o resultado directo dos seus ensinamentos. (...)

Ainda não tinham passado trinta segundos de Ódio e já metade da sala soltava incontroláveis exclamações de raiva. (...)

No segundo minuto o Ódio transformou-se em frenesi. As pessoas saltavam das cadeiras e berravam a plenos pulmões, esforçando-se por abafar os balidos ensurdecedores que vinham do ecrã. (...)

O que tinham de horrível os Dois Minutos do Ódio não era a obrigatoriedade de cada qual representar um papel, mas, pelo contrário, o facto de ser-se impossível não participar.»

George Orwell, 1984, Colecção Mil Folhas, p. 16, 17, 18 e 19.

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